quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Raiva recalcada

Introduzir-me no mundo como uma pessoa normal, com tanta raiva recalcada, tem sido custoso. Esta raiva toda foi-se acumulando ao longo da minha adolescência, visto que sofri diversas injustiças nesse período. Poderia canalizá-la para o desporto mas a minha falta de tempo não o permite. Apesar de ter um passatempo que adoro e me obriga a mexer, não é o suficiente. Todos os dias tenho raiva das mais pequenas coisas. Ou porque falam comigo quando estou concentrada, ou porque tenho muita gente à minha volta, ou porque não percebem o que digo... Não maltrato essas pessoas, não têm culpa nenhuma de eu ser assim. Respiro fundo, calo-me, e volto ao meu estado normal em poucos segundos. Agora o que me põe fora de mim, e não consigo mesmo controlar, são pessoas mal-educadas. Aí permito-me explodir. Hoje foi o que aconteceu.

Estava eu com o uma das minhas melhores amigas num café, cá fora, a fumar. Estava a chuviscar e como não podíamos fumar lá dentro, viemos para a porta. Esta minha amiga também se passa com pouco mas, não sei se por estar comigo, nesta situação ficou calada. Apareceram duas mulheres, e uma delas a entrar no café, resmunga "estas também metem-se à frente da porta e não deixam ninguém passar". Bem, passei-me. "Estas"?! Não tive tempo de lhe responder porque a idiota fugiu para dentro do café. Tentei controlar-me porque já sabia que se me passasse, não saia mais dali...
Mas não aguentei e comentei com a minha amiga (bem alto): "Se a idiota não fosse gorda passava bem".

A questão é que a porta estava só meio aberta e nós não tínhamos espaço para fumar sem ficarmos à chuva. De qualquer forma qualquer pessoa passava bem, e se não passasse, um "com licença" bastava para nos desviarmos. Eu respeito toda a gente até ao momento em que me desrespeitam: o "respeitar por ser mais velho" comigo não cola. A minha educação depende da dos outros. Normalmente sou uma pessoa extremamente amorosa com desconhecidos. Desde que não me faltem ao respeito. Ou aos que estão comigo.

Fiquei a olhar para dentro do café, completamente passada, e a minha amiga "Calma, Kiki, não vale a pena..." Estava disposta a esquecer o assunto até que a amiga dela vem ter connosco.
- As meninas podiam-se ter sentado na esplanada e não estorvavam a passagem. Não é faltarem ao respeito e chamarem-nos gordas que ganham alguma coisa.
Tentei ser o mais educada possível, até porque não tinha sido esta senhora a fazer o comentário idiota.
- Não sei se reparou, mas as mesas da esplanada estão todas molhadas. E não há muito espaço. E a outra senhora faltou-me ao respeito a mim e à minha amiga com o que disse, portanto, dei-me a liberdade de faltar igualmente ao respeito. Um «com licença» bastava, não acha?

A gaja calou-se, e podia ter acabado por aí, mas eu sabia que tinha de voltar lá dentro para pagar o café, e já estava toda a tremer... Apetecia-me bater mesmo na mulher. Claro que o que ela fez não justificava um soco na cara, mas a minha vontade era essa.
Voltei lá para dentro, e muito baixinho, disse à mulher malcriada: "Se não me tivesse faltado ao respeito, não lhe tinha chamado gorda". A gaja desata aos berros com argumentos totalmente estúpidos... "Eu não tenho medo de si" "Não lhe deram educação em casa?" "Venho a este café todos os dias não estou para aturar este género de coisas de malcriadonas"... Respondi-lhe à letra, e dei por mim já estava a gritar com a gaja e chegou a uma altura em que tive mesmo de dizer "Vou-me calar antes que me passe."
Sei que se ficasse ali mais um minuto, a mulher tinha levado um empurrão ou um estalo. Provavelmente achou que eu lhe estava a tentar meter medo, mas não estava. As pessoas não sabem do meu problema de auto-controlo, e acham que estou a "ameaçar". Mas não estou. Há uma altura em que já não respondo por mim, viro bicho, e não quero que as pessoas conheçam essa minha faceta. Até porque não se justifica, e não gosto de me descontrolar, porque se for preciso depois já nem me lembro do que fiz...

É um problema que vou tentando resolver aos poucos. Lembro-me que com 14, 15 anos eu não era assim. Acho que foi por engolir tantos sapos que agora, aos 20, qualquer coisa por mais pequena que seja me põe fora de mim. Odeio peixeiradas, e tento ao máximo não as fazer, mas este meu distúrbio leva sempre a melhor.

terça-feira, 6 de novembro de 2012

vinte

No outro dia fiz anos. Vinte. Só gosto de fazer anos pelos miminhos todos que recebo, pelas mensagens queridas, pelos telefonemas, pelos abraços, por tudo o que me livre desta minha carência afectiva constante. Contudo, durante todo esse dia senti-me vazia. Senti que faltava algo - e não estava a perceber o quê. Até que me apercebi. Tu não tinhas mandado mensagem. Mas porque deverias? Acabámos (ou acabaste tu) e nem me lembro de te ter dito quando fazia anos. Se calhar até o disse...tenho a mania de espalhar aos quatro ventos o meu aniversário por um motivo muito simples. Acho que se as pessoas não me derem os parabéns se estão a cagar para mim, ou que não sou importante na vida delas. Esta é outra faceta obscura da minha personalidade. Sei que estou totalmente errada mas não consigo evitar sentir isto. Portanto, sempre que os outros fazem anos faço questão de mandar uma mensagem amorosa. Talvez porque, no fundo, quero que façam o mesmo comigo.

Mas tu não mandaste mensagem.
Tu não quiseste saber.
Essa tua indiferença vai-me matando aos poucos. Se é que não estou já morta...

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

Sabes-te morta

(Quis mandar este texto para o meu ex-namorado. Foi o que ele me fez sentir ao rejeitar-me.)

Sabes-te morta, mas é assim que caminhas para o areal. Desces até à beira mar como se o fluir das ondas ainda te causasse alguma empatia. O que sentes não é passível de ser descrito, e por isso pões-te a remexer a areia com os pés. Olhas para o buraco como se de lá fosse brotar a solução para todo o ódio que carregas às costas. O ódio que não é senão dirigido para ti própria. Atacas-te mentalmente com os erros que cometeste ao longo da vida, arranhas os braços com as tuas unhas. Pões-te em posição fetal na areia. Respiras o pó da solidão, e expiras toda a raiva contida dentro de ti, acumulada desde a tua infância. Não percebes o porquê, mas estás farta de tentar perceber o que quer que seja. Estás farta de perguntas. Queres respostas para o teu sofrimento, motivos para a solidão que vives todos os dias, razões para ele ter-te deixado desamparada. Do teu olho meio aberto avistas um casal de mão dada. Sentes-te agoniada. A raiva aos poucos vai-se dissipando e o vazio toma conta de ti. Tentas encher-te com racionalizações e relativizações, mas nenhuma das imagens que crias na cabeça te fazem sentir melhor. Acreditas piamente que a tua infelicidade não tem retorno, que nunca mais verás de perto os caracóis pretos dele. É a tua única certeza. Nem sequer te cheira a maresia. O único cheiro que sentes é o da pele dele. Aquela pele a que te agarraste tantas vezes… Uma pele especial, macia, que te trazia protecção. Uma protecção estupidamente ilusória. Fora essa mesma pele que te deixara naquela posição fetal numa praia desconhecida. Levantas-te devagar e apercebes-te do sabor salgado na tua boca. Limpas as lágrimas e caminhas lentamente para a beira-mar. Nem te dás ao trabalho de sacudir a areia da camisa branca que trazias vestida. A camisa que usaste na noite em que se beijaram pela primeira vez. A pureza proveniente daquela camisa era aparente, mas ele não o sabia, e quando soube, pouco se importou. Os erros que cometeras não tinham a mesma proporção para ele que tinham para ti. Não te sentiste digna daquele abraço, mas amaste-o mais por isso, e sem dúvida que o amavas mais agora. Mas já não importava. Já nada importava. Molhaste os pés e as pernas. Atiraste os calções para longe. Viste-os a flutuar ritmicamente com as ondas mas foi-te totalmente indiferente. Olhaste a camisa branca com carinho antes de a despires. Limpaste a cara com ela, e deste-lhe um último beijo. Esquecê-lo era inevitável, aquela camisa já não fazia sentido. Pousaste-a à tua frente e viste-a a afastar-se rapidamente com a maré. Agora choravas descontroladamente… Não sabias se estavas com medo de morrer ou de o perder para sempre. De qualquer das formas respiraste fundo, sabendo ser a última vez que o farias, e mergulhaste.

Kiki Blais

a carta.

"Em conclusão, considera-se que estamos na presença de um modo de funcionamento borderline, onde se observa a coexistência de traços narcísicos vísiveis nos movimentos de controlo omnipotente da realidade e da relação com os outros, de modo a evitar o confronto com as fragilidades narcísicas. Predomina o desamparo que se exprime nas manifestações de auto-agressividade e que dá conta de um sentimento de desprotecção face aos inimigos internos.
Pelo exposto, sugere-se importante que a Kiki usufrua de um apoio psicoterapêutico que lhe proporcione uma experiência relacional contentora com vista a garantir a preservação da integridade do Eu pelo reforço e desenvolvimento dos recursos internos existentes com o propósito de promover a melhor adaptação às circunstâncias de vida."

sábado, 27 de outubro de 2012

a borderline sai da concha

Criei este blog com o intuito de partilhar as minhas experiências como borderline. Fui diagnosticada como borderline aos 17 anos e desde então a minha vida nunca mais foi a mesma. Talvez por ter descoberto, finalmente, a causa de todos os problemas que (criei e) enfrentei ao longo da minha vida. O meu sofrimento tempestuoso começou desde muito cedo. A lembrança mais viva que ainda guardo dos meus tempos de criança foi de estar a um canto a chorar por sentir que ninguém gostava de mim. Teria talvez uns oito anos. Desde então foi sempre a descer. O objectivo deste blog será o de mostrar a minha evolução, testemunhando o meu percurso até à cura. Quero também alarmar as pessoas desta doença, que é real, afectando cerca de uma a cada cem pessoas. Provavelmente alguns de vocês têm ou tiveram amigos com atitudes inadequadas a uma certa situação, e nunca perceberam o porquê...talvez não fossem parvos ou demasiado sensíveis - talvez sofressem de um distúrbio de personalidade. Irei publicar diversos textos que fui escrevendo ao longo do tempo, desabafos, desenhos, alguns excertos das minhas consultas com a minha terapeuta, etc. Quedar-me-ei anónima por motivos óbvios. Ao lerem o blog não se auto-diagnostiquem. Muitas das características de um borderline podem ser comuns a pessoas totalmente normais.